Primeiro prédio de alvenaria de tijolos em Sorocaba, Estação Ferroviária 'implora' por restauração há duas décadas
13/08/2025
(Foto: Reprodução) 1º prédio de alvenaria de tijolos em Sorocaba, Estação Ferroviária 'implora' por restauro
Construída em 1875, a Estação Ferroviária de Sorocaba (SP) testemunhou 150 dos 371 anos de vida da cidade - que serão completados no dia 15 de agosto. Sem função desde 2012, o primeiro prédio de alvenaria de tijolos da cidade e símbolo maior do passado ferroviário local "implora" por restauração desde 2005, quando foi cedido provisoriamente ao município com a finalidade de receber atividades culturais.
Os sinais da deterioração são visíveis em vários pontos do prédio, que nos últimos 20 anos recebeu reformas apenas na fachada. No hall de entrada, onde ficavam os guichês para compra de passagens, o estuque do forro está desabando por conta da infiltração. Um voo com drone revelou a falta de telhas no prédio e também na gare de embarque de passageiros. Assista ao vídeo acima.
📲 Participe do canal do g1 Sorocaba e Jundiaí no WhatsApp
No local, o g1 também constatou que não há vigilância; embora os portões do hall permaneçam trancados com cadeado, há pessoas morando em um anexo do antigo armazém. Situação de abandono que contrasta com a importância daquela edificação para a arquitetura e a memória local.
"Até esse prédio ser edificado, Sorocaba construía basicamente em um único método, que era a taipa de pilão, um método de construção com terra. A vinda da ferrovia mudou esse sistema para um sistema construtivo de alvenaria de tijolos. Esse foi o primeiro prédio de alvenaria de tijolos da cidade, uma técnica que depois se tornaria bastante emblemática em função da nossa industrialização com as fábricas têxteis, que estão intimamente ligadas com a ferrovia", detalha o arquiteto, urbanista e professor universitário Marco Massari.
Marco Massari, arquiteto, urbanista e professor universitário de Sorocaba (SP)
Eric Mantuan/g1
LEIA TAMBÉM:
Iniciada há 150 anos com 'dois vinténs', ferrovia Sorocabana vive de passado glorioso e marcas do abandono
Carga, passageiros e turismo: futuro da antiga ferrovia Sorocabana depende de solução para a Malha Oeste
Trabalho difícil, mas de saudosa memória: museus do interior paulista preservam histórias dos ferroviários da Sorocabana
Parada em 5 cidades e passagem a R$ 45: veja detalhes do Trem Intercidades que ligará Sorocaba a São Paulo
Massari destaca que o prédio inicial da estação, aberto ao público em 10 de julho de 1875, data da primeira viagem oficial de um trem de passageiros entre São Paulo e Sorocaba, era mais simplório e está contido "dentro" do atual, que manteve os dois pavimentos e foi ampliado no comprimento. Ganhou uma fachada com elementos da arquitetura eclética na década de 1920, época de grande progresso da Estrada de Ferro Sorocabana (EFS).
"Com a ampliação, a estação ganha ornamentos e elementos clássicos. Por isso o nome eclético, que era o estilo que marcou bastante o escritório que desenvolveu esse projeto, de Ramos de Azevedo. A gente vai ver essa mudança de estilo também em outros prédios da cidade, como a Catedral, que era um prédio bem mais simples, com uma arquitetura colonial bem mais singela", destaca.
Arquiteto fala da importância do prédio da Estação Ferroviária de Sorocaba
Ressignificação de uso
Cantata de Natal foi realizada na Estação Ferroviária até 2012
Pedro Henrique Negrão/Arquivo pessoal
O fim do transporte regular de passageiros nas ferrovias de São Paulo em meio à concessão do serviço de cargas à iniciativa privada, no final dos anos 1990, acabou com a função prática das estações ferroviárias do interior.
Em geral, os imóveis com importância histórico-cultural acabaram transferidos às prefeituras para restauração e aproveitamento como centros de cultura e memória ou transformação em postos de serviços públicos.
A estação de Sorocaba foi cedida ao município em 2005, após mobilização da sociedade para impedir que ela fosse colocada em leilão pela Rede Ferroviária Federal (RFFSA), sucessora da Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa).
A então vereadora Tânia Baccelli era uma das líderes dos Amigos da Estação, grupo responsável pela realização de serestas e outros eventos que chamassem a atenção da cidade para a necessidade de cuidar do prédio.
"Me sinto muito mal por não termos conseguido criar um novo espaço de cultura popular vinculado às memórias históricas de nossa cidade", lamenta hoje, quase duas décadas depois.
Entre 2008 e 2012, a estação sediou a Cantata de Natal, espetáculo cênico e musical que reunia milhares de espectadores na Avenida Afonso Vergueiro. Entretanto, como nunca houve nenhuma restauração mais abrangente do que a fachada do imóvel, ela não pôde mais ser realizada ali, porque o mezanino, já em más condições, foi interditado pelo Corpo de Bombeiros.
Divergências de responsabilidades
Monograma da Estrada de Ferro Sorocabana em vitral da estação de Sorocaba
Eric Mantuan/g1
Atualmente, o prédio da estação, a gare para embarque de passageiros e os armazéns de cargas e bagagens pertencem à Secretaria de Patrimônio da União (SPU), que "herdou" a carteira de imóveis desnecessários à operação ferroviária de cargas no processo de extinção da RFFSA. O único imóvel em uso no complexo é o do armazém nº 2, que foi restaurado em 2011 para sediar o Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba (Macs).
A Prefeitura de Sorocaba informou que a cessão do local terminou em 2020 e que, com isso, "as manutenções do local são de responsabilidade da União [Secretaria de Patrimônio da União em São Paulo (SPU)]. A pasta e o Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico (CMDP) estão cobrando, novamente, as devidas manutenções necessárias ao Governo Federal."
Informou também que a Guarda Civil Municipal mantém equipes atuando 24 horas no local para garantir a segurança do patrimônio e da população.
Anteriormente, a administração municipal informou que, quando a cessão foi finalizada, solicitou a doação permanente, com o objetivo de "realizar parcerias público-privadas e viabilizar a restauração da Estação Ferroviária e dos prédios anexos".
Já a superintendência da Secretaria de Patrimônio da União em São Paulo (SPU) disse que o imóvel permanece cedido ao município e ele "atualmente é responsável por sua gestão".
Infiltração por água de chuva fez o estuque do forro do hall desabar
Eric Mantuan/g1
Conforme a SPU, a cessão ao município, realizada inicialmente em caráter provisório, encontra-se em processo de formalização para destinação definitiva. Porém, enquanto isso não ocorre, o arquiteto Marco Massari defende obras emergenciais que, pelo menos, paralisem a deterioração contínua de suas condições.
"O prédio da estação precisa passar por intervenção o mais rápido possível, porque ele corre, sim, risco de colapso de partes dele. A gente vê o estuque soltando, parte do forro caindo, parte do telhado aparente e sem telhas em alguns locais. Então, ele, sim, está correndo bastante risco, tanto é que ele está fechado há bastante tempo, não permitindo o nosso acesso. Seria muito interessante vermos medidas serem tomadas nesse âmbito, de pelo menos estancar essa degradação", alerta.
Nova chance como estação de passageiros
Estação de Sorocaba recebeu trens de passageiros até 2001
Anunciado recentemente pelo Governo do Estado de São Paulo, o projeto do Trem Intercidades - Eixo Oeste, que visa implantar uma linha de trem rápido entre Sorocaba e São Paulo, pode oferecer uma nova chance de o imóvel histórico voltar a ser uma estação ferroviária ativa.
O anteprojeto apresentado em consulta pública afirma prever "a integração plena da estação histórica existente ao novo sistema, com requalificação e reuso das estruturas originais como parte funcional e simbólica do terminal de passageiros", ao mesmo tempo em que "alia preservação patrimonial, requalificação urbana e exigências operacionais modernas".
Projeto do Trem Intercidades Oeste prevê recuperação e uso da Estação de Sorocaba
Reprodução
Pela proposta, o edifício histórico da antiga estação da Estrada de Ferro Sorocabana (EFS) será mantido e incorporado ao novo terminal como espaço de controle de acesso e distribuição dos fluxos de passageiros. O hall de entrada será reutilizado como espaço de recepção principal, mantendo sua volumetria original e sua conexão direta com as plataformas.
"É a oportunidade de ouro que esse prédio vai ter de não só ser recuperado, mas também o prédio das oficinas e demais elementos que constituem esse complexo ferroviário. Uma oportunidade de ouro para Sorocaba voltar a ter o trem, voltar a ter conexão com São Paulo. Isso vai beneficiar muito a mobilidade urbana, vai beneficiar muito as pessoas, e aqui vai voltar a ser um local que as pessoas vão poder frequentar", defende Massari.
Estação de Sorocaba em 1880
Julio Durski/Arquivo Nacional
Estação de Sorocaba nos anos 1910
Reprodução / Museu Histórico Sorocabano (MHS)
Ampliação nos anos 1920 seguiu a arquitetura eclética
Reprodução / Museu Histórico Sorocabano (MHS)
Estação Ferroviária de Sorocaba (SP)
Eric Mantuan/g1
Estação Ferroviária de Sorocaba (SP)
Eric Mantuan/g1
Estação Ferroviária de Sorocaba (SP)
Eric Mantuan/g1
Pichações na fachada denotam acesso de vândalos ao interior do prédio
Eric Mantuan/g1
Veja mais notícias da região no g1 Sorocaba e Jundiaí
VÍDEOS: assista às reportagens da TV TEM